Por que ações diferentes sobem e descem juntas

Por que ações diferentes sobem e descem juntas

Você acorda, pega seu café, abre o aplicativo da corretora e leva um susto. A tela está vermelha. Não apenas uma ou duas ações, mas todas. O banco caiu, a empresa de petróleo caiu, a varejista caiu e até a empresa de energia elétrica caiu.

Parece que houve uma reunião secreta onde todos os investidores decidiram vender tudo ao mesmo tempo. No dia seguinte, ocorre o oposto: tudo sobe em euforia, o famoso “Bull Market”.

Para o investidor iniciante, isso é confuso. Afinal, se a Padaria A vende pão e a Construtora B faz prédios, por que as ações delas se movem na mesma direção no gráfico? Elas não deveriam ser independentes?

A resposta curta é: não. No mercado financeiro, existe uma força invisível que conecta quase todos os ativos.

Neste artigo completo, vamos desvendar os mistérios da Correlação de Mercado. Você vai entender o que faz preços de empresas totalmente diferentes andarem de mãos dadas e, o mais importante, como evitar que esse movimento sincronizado destrua o seu patrimônio.

1. O Conceito de Risco Sistêmico: Quando a Maré Baixa

1. O Conceito de Risco Sistêmico: Quando a Maré Baixa

Para entender por que tudo cai junto, precisamos diferenciar dois tipos de risco que existem no mundo dos investimentos:

  1. Risco Não-Sistêmico (Específico): É o risco da empresa. Exemplo: A fábrica da “Empresa X” pegou fogo ou o CEO foi preso. Isso afeta apenas a ação daquela empresa.

  2. Risco Sistêmico (De Mercado): É o risco que afeta todo o sistema.

Imagine que a economia é o oceano e as ações são barcos. Existem transatlânticos (empresas grandes) e botes pequenos (empresas pequenas).

Quando ocorre o Risco Sistêmico, é como se a maré baixasse. Não importa se o barco é bom ou ruim; se a maré baixar, todos os barcos descem juntos.

O que causa essa “maré”? Geralmente são fatores macroeconômicos que atingem o bolso de todos ao mesmo tempo: guerras, pandemias, crises políticas graves ou mudanças drásticas na economia global. Quando o medo do colapso do sistema surge, os investidores vendem tudo para transformar ações em dinheiro vivo (liquidez), derrubando todos os preços simultaneamente.

2. A Mão Invisível dos Juros (Taxa Selic e Fed Funds)

O fator mais comum que faz ações diferentes subirem ou descerem juntas é a Taxa de Juros.

No Brasil, temos a Taxa Selic. Nos EUA, temos a taxa do Fed. Elas funcionam como a “gravidade” do mercado financeiro.

O Mecanismo da Gravidade:

  • Juros Sobem: A Renda Fixa fica mais atrativa. O investidor pensa: “Por que vou correr risco na Bolsa se posso ganhar 12% ao ano garantido no Tesouro Direto?”. O dinheiro sai da Bolsa (venda em massa) e vai para a Renda Fixa. Isso derruba bancos, varejo, indústria, tudo junto.

  • Juros Caem: A Renda Fixa paga pouco. O investidor é obrigado a tomar risco para ganhar dinheiro. O dinheiro flui para a Bolsa, levantando todas as ações.

Além disso, juros altos encarecem o crédito. Fica mais caro para a Varejista pegar empréstimo para abrir lojas e fica mais caro para a Indústria financiar máquinas. Como o crédito caro atrapalha o lucro de todas as empresas, as ações de todas tendem a cair quando a expectativa de juros sobe.

3. O Fluxo do Investidor Estrangeiro (O “Gringo”)

A Bolsa Brasileira (B3) é pequena se comparada ao resto do mundo. Uma parte gigantesca do dinheiro que movimenta nosso mercado vem de investidores estrangeiros (grandes fundos de pensão americanos, europeus e asiáticos).

Para esses investidores globais, o Brasil é apenas uma “cesta” de ativos emergentes. Eles raramente olham detalhadamente se a “Lojinha da Esquina S.A.” é boa. Eles olham para o “Risco Brasil”.

  • Cenário A: O Brasil aprova uma reforma fiscal importante. O gringo aperta o botão “Comprar Brasil”. Eles compram o índice Ibovespa inteiro. Isso faz com que bilhões de reais entrem no mercado, comprando um pouco de cada empresa, fazendo tudo subir junto.

  • Cenário B: O governo brasileiro faz uma declaração polêmica que assusta o mercado. O gringo aperta o botão “Vender Brasil”. Eles vendem tudo indiscriminadamente para levar o dólar de volta para fora.

Esse fluxo de capital estrangeiro é tão forte que arrasta os preços de todas as empresas, boas ou ruins, na mesma direção.

4. O Efeito Manada e a Psicologia de Massa

4. O Efeito Manada e a Psicologia de Massa

O mercado é feito de pessoas (e robôs programados por pessoas). E pessoas são seres sociais influenciáveis pelo medo e pela ganância.

Quando uma notícia muito ruim sai (ex: início de uma guerra), o pânico se instala. O investidor vê o vizinho vendendo, vê o noticiário falando em crise e sente o impulso biológico de fugir do perigo. Ele vende suas ações sem nem analisar se aquela notícia afeta realmente as empresas que ele tem.

Esse Efeito Manada cria uma profecia autorrealizável:

  1. As pessoas acham que vai cair.

  2. Por acharem que vai cair, elas vendem.

  3. Porque elas venderam, o preço cai.

  4. O preço caindo confirma o medo, e elas vendem mais.

Nesses momentos de pânico (ou de euforia extrema), a racionalidade desaparece e a correlação entre os ativos vai para 1 (ou seja, tudo se move perfeitamente igual).

5. A Influência dos ETFs e Algoritmos (Robôs)

Antigamente, os investidores escolhiam ação por ação (Stock Picking). Hoje, trilhões de dólares são investidos via Gestão Passiva e ETFs (Fundos de Índice).

Um ETF como o BOVA11 (que replica o índice Ibovespa) compra as ações das maiores empresas do Brasil proporcionalmente.

Quando um grande fundo decide investir R$ 1 bilhão no BOVA11, o robô do ETF pega esse dinheiro e compra automaticamente ações da Vale, da Petrobras, do Itaú, da Ambev e de dezenas de outras empresas no mesmo segundo.

Isso cria um link mecânico entre essas empresas. Se o Itaú sobe porque o índice subiu, a Ambev sobe junto, não porque vendeu mais cerveja, mas porque o robô comprou a “cesta” onde as duas estão dentro. A popularização dos ETFs aumentou muito a sincronia dos movimentos de curto prazo.

6. Commodities: O Motor do Brasil

O índice Ibovespa é muito concentrado em Commodities (matérias-primas básicas) e Bancos.

Empresas como Vale (Minério de Ferro) e Petrobras (Petróleo) têm um peso gigantesco no índice.

  • Se a China desacelera, o minério cai. A Vale cai.

  • Como a Vale é enorme, o Índice Ibovespa cai.

  • Quando o Índice cai, o sentimento geral do mercado azeda, e os investidores começam a vender outras ações (bancos, varejo) por tabela.

Além disso, o Brasil é um país exportador. Se as commodities caem, entra menos dólar no país. O dólar sobe. A inflação sobe. Os juros sobem. E voltamos ao item 2: juros altos derrubam todas as ações. É um ciclo interligado.

7. O Conceito de “Beta”: Quem Segue o Líder?

Nem todas as ações reagem com a mesma intensidade. Para medir o quanto uma ação “imita” o mercado, usamos um indicador chamado Beta.

  • Beta = 1: A ação se move igual ao mercado. Se a Bolsa sobe 1%, a ação sobe 1%.

  • Beta > 1 (Agressiva): A ação exagera o movimento. Se a Bolsa sobe 1%, a ação sobe 2%. Se a Bolsa cai 1%, ela cai 2%. (Geralmente varejistas, construtoras e techs).

  • Beta < 1 (Defensiva): A ação é mais tranquila. Se a Bolsa cai 1%, ela cai só 0,5%. (Geralmente elétricas, saneamento e seguros).

Entender o Beta ajuda você a saber quais ações da sua carteira vão sofrer mais quando “tudo cair junto”. Ações de alto Beta sobem e descem juntas com muito mais violência.

8. A Ilusão da Diversificação

8. A Ilusão da Diversificação

Aqui chegamos ao ponto prático mais importante. Muitos investidores acham que estão protegidos desse fenômeno porque diversificaram.

O Erro Comum:

O investidor compra ações de:

  1. Banco do Brasil

  2. Itaú

  3. Bradesco

  4. Santander

Ele acha que tem 4 ações diferentes. Na prática, ele tem 4 ativos com correlação altíssima. Se o governo aumentar imposto sobre bancos, as 4 vão cair juntas.

Outro erro:

O investidor compra 10 empresas de setores diferentes, mas todas no Brasil.

Se houver uma crise política no Brasil (“Risco Brasil”), as 10 vão cair juntas.

Isso é Falsa Diversificação. Para fugir do efeito “tudo cai junto”, você precisa de ativos descorrelacionados.

9. Como se Proteger: A Verdadeira Diversificação

Se ações sobem e descem juntas por causa do risco sistêmico, como proteger o patrimônio? Você precisa de ativos que não conversem entre si.

Para que sua carteira não fique toda vermelha em um dia de crise, você deve misturar classes de ativos opostas:

1. Internacionalização (Dólar)

Geralmente, quando a Bolsa Brasileira cai forte (crise local), o Dólar sobe. Ter investimentos nos EUA (IVVB11 ou ações diretas) faz com que a alta do dólar compense a queda das suas ações brasileiras. Eles funcionam como uma gangorra.

2. Ouro

O ouro é a reserva de valor milenar. Em momentos de pânico global (guerras, pandemias), quando todas as bolsas do mundo caem juntas, o ouro costuma subir, pois os investidores buscam segurança máxima.

3. Renda Fixa Pós-Fixada

O dinheiro que está no Tesouro Selic ou CDBs não sofre com a oscilação da Bolsa. Ele continua rendendo um pouquinho todo dia, independentemente se o mercado está em pânico. Ter uma parte relevante em Renda Fixa serve como “amortecedor” para a carteira.

Aceite a Maré, mas Ajuste as Velas

Aceite a Maré, mas Ajuste as Velas

Ver ações diferentes subindo e descendo juntas não é um defeito do mercado, nem manipulação. É uma característica natural de um sistema financeiro globalizado e interconectado.

Fatores como taxas de juros, fluxo estrangeiro, algoritmos de ETFs e a psicologia humana criam essas “ondas” que levantam ou afundam todos os barcos temporariamente.

Para o investidor de longo prazo, entender isso traz paz de espírito.

Quando você vê aquele “mar de sangue” na tela do celular, você entende que não é necessariamente porque as empresas que você escolheu ficaram ruins de repente. É apenas a maré macroeconômica que baixou.

Se os fundamentos das suas empresas continuam bons (lucro, gestão, mercado), a queda generalizada não é motivo de desespero, mas sim uma oportunidade de compra. Afinal, quando a maré subir novamente — e a história mostra que ela sempre sobe —, quem comprou bons ativos na baixa será recompensado.

Pare de lutar contra a maré. Aprenda a navegar nela diversificando de verdade e mantendo o foco no horizonte (longo prazo).

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