Para quem está de fora, a Bolsa de Valores parece um lugar caótico, reservado para gênios da matemática ou tubarões de terno. Filmes antigos mostram homens gritando, gesticulando e jogando papéis para o alto. Esse cenário, conhecido como “pregão viva voz”, está morto e enterrado no Brasil desde 2009.
Hoje, vivemos na era do Pregão Eletrônico.
Toda a negociação de ações, fundos imobiliários e outros ativos da nossa bolsa, a B3 (Brasil, Bolsa, Balcão), acontece em um ambiente digital: silencioso, rápido e, o mais importante, acessível a qualquer pessoa com um computador ou celular e uma conta em uma corretora.
Mas o que exatamente acontece por trás da tela do seu home broker? Como o seu clique em “comprar” se transforma em uma ação da Petrobras ou do Itaú na sua carteira?
Este guia completo foi feito para o investidor leigo. Vamos quebrar o “bancarês” e explicar, passo a passo, o que é o pregão eletrônico e como as negociações realmente acontecem, desde o seu clique até a execução da ordem.
O que é Pregão Eletrônico? O Conceito Desmistificado

Em termos simples, o pregão eletrônico é o sistema de negociação 100% digital onde se encontram compradores e vendedores de ativos listados na Bolsa de Valores (B3).
Pense na B3 como um gigantesco e sofisticado shopping center digital.
- As “lojas” são as empresas de capital aberto (Petrobras, Vale, Magazine Luiza, etc.).
- Os “produtos” nas prateleiras são os ativos (ações, Fundos Imobiliários, ETFs, etc.).
- O Pregão Eletrônico é o horário de funcionamento e o sistema de caixa desse shopping.
É durante o pregão que os preços são formados em tempo real, com base na lei mais antiga do comércio: a oferta e a demanda. Se mais pessoas querem comprar uma ação (demanda) do que vender (oferta), o preço sobe. Se mais pessoas querem vender do que comprar, o preço cai.
O sistema que gerencia tudo isso na B3 chama-se PUMA (Plataforma Unificada Multiativo). É um supercomputador de altíssima velocidade que recebe, organiza e executa milhões de ordens de compra e venda por segundo, garantindo um ambiente justo e transparente.
Atenção: Pregão Eletrônico (B3) vs. Pregão Eletrônico (Governo)
Este é um ponto crucial de confusão para quem pesquisa o termo. Existe outro “pregão eletrônico” no Brasil: o sistema usado pelo Governo (Federal, Estadual e Municipal) para comprar produtos e contratar serviços. É uma modalidade de licitação.
Este artigo é sobre o pregão eletrônico de INVESTIMENTOS, focado na Bolsa de Valores (B3). Se você busca informações sobre como vender para o governo, este não é o artigo correto.
A Evolução: Do Caos do “Viva Voz” à Eficiência Digital
Para entender a importância do pregão eletrônico, precisamos olhar para trás. Até os anos 2000, as negociações ocorriam no “pregão viva voz”.
Imagine uma sala circular (o pit de negociação) cheia de operadores (os brokers) gritando ordens de compra e venda. Eles usavam gestos complexos com as mãos e códigos próprios. Era um sistema rápido para a época, mas também:
- Caótico: Barulhento e estressante.
- Pouco Acessível: Apenas grandes investidores e instituições tinham acesso fácil.
- Lento: Comparado aos padrões atuais, levava minutos para fechar um negócio.
- Propenso a Erros: Ordens podiam ser mal interpretadas no meio da gritaria.
O pregão eletrônico mudou tudo isso. Ele trouxe:
- Democratização: Qualquer pessoa, de qualquer lugar do Brasil, pode investir com R$ 10.
- Velocidade: Negócios são fechados em microssegundos.
- Transparência: Todas as ofertas são visíveis para todos, em tempo real.
- Eficiência: O custo de negociar caiu drasticamente, levando muitas corretoras a oferecerem “taxa zero”.
Como Acontecem as Negociações na Prática: O Papel do Home Broker

Você, investidor, não acessa o sistema PUMA da B3 diretamente. Você precisa de um intermediário licenciado para isso. Esse intermediário é a sua Corretora de Valores (como XP, Rico, Clear, NuInvest, BTG Pactual, Inter, etc.).
E a ferramenta que a corretora lhe dá para acessar o pregão é o Home Broker.
O Home Broker é o seu “cockpit” de investimentos. É o site ou aplicativo onde você vê os gráficos, acompanha as cotações e, o mais importante, envia suas ordens de compra e venda.
O processo funciona assim:
- Você decide comprar 100 ações da empresa X.
- Você abre seu Home Broker.
- Você digita o código da ação (ex: PETR4), a quantidade (100) e o preço que deseja pagar.
- Você clica em “Comprar” e digita sua assinatura eletrônica.
- O Home Broker da sua corretora instantaneamente envia essa ordem para o sistema PUMA, lá na B3.
É na B3 que a mágica acontece.
O Coração do Mercado: Entendendo o “Book de Ofertas” (Livro de Ofertas)
Sua ordem não é executada sozinha. Ela entra em uma fila digital chamada Book de Ofertas (ou Livro de Ofertas).
O Book é, talvez, a ferramenta mais importante do pregão. É um “cardápio” de intenções, visível para todos, que mostra, em tempo real, todas as ordens de compra e venda para um ativo específico.
Ele é dividido em duas colunas:
| LADO DA COMPRA (BID) | LADO DA VENDA (ASK) |
| Preço | Qtd. |
| R$ 10,02 | 500 |
| R$ 10,01 | 1000 |
| R$ 10,00 | 300 |
| R$ 9,99 | 2000 |
Como ler o Book:
- Lado da Compra (Bid): Mostra quem quer comprar e quanto aceita pagar. As melhores ofertas (preços mais altos) ficam no topo. No exemplo, o “melhor comprador” está disposto a pagar R$ 10,02.
- Lado da Venda (Ask): Mostra quem quer vender e por quanto aceita vender. As melhores ofertas (preços mais baixos) ficam no topo. No exemplo, o “melhor vendedor” só aceita vender por R$ 10,03.
A diferença entre o melhor preço de compra (R$ 10,02) e o melhor preço de venda (R$ 10,03) é chamada de Spread. Neste caso, o spread é de R$ 0,01.
O “Match”: Como uma Ordem é Finalmente Executada
Um negócio só acontece quando há um “match” (uma combinação). Ou seja, quando um comprador aceita pagar o preço que um vendedor está pedindo, ou vice-versa.
Usando o Book acima, vamos ver como sua ordem seria executada:
Cenário 1: Você quer comprar “a mercado” (comprar agora!)
Você envia uma ordem para comprar 500 ações “a mercado”. O sistema entende que você aceita pagar o preço do melhor vendedor.
- Ele pega as 200 ações do vendedor da BTG por R$ 10,03.
- Ele pega as 300 ações restantes (das 800) do vendedor do Inter por R$ 10,04.
- Pronto! Sua ordem de 500 ações foi executada. O último preço negociado (cotação) passa a ser R$ 10,04.
Cenário 2: Você quer comprar “limitado” (você define o preço)
Você envia uma ordem para comprar 100 ações, mas só aceita pagar, no máximo, R$ 10,00.
- Sua ordem é enviada ao PUMA (B3).
- O sistema vê que o vendedor mais barato só vende a R$ 10,03.
- Como R$ 10,00 (sua oferta) é menor que R$ 10,03 (o pedido), sua ordem não é executada.
- Ela fica “parada” no Book de Ofertas, na fila de compra de R$ 10,00 (junto com as 300 da NuInvest, totalizando 400).
Sua ordem só será executada se, em algum momento, um vendedor decidir baixar seu preço e enviar uma ordem de venda por R$ 10,00.
Esse processo de “match” acontece milhões de vezes por segundo para milhares de ativos. É a mais pura forma de negociação por oferta e demanda.
Os Diferentes Tipos de Ordens: Dando Comandos ao Pregão

Para negociar, você precisa saber dar o comando certo. As ordens mais comuns que seu Home Broker permite são:
1. Ordem a Mercado (Market Order)
É a ordem “comprar/vender AGORA”. Você não define o preço. Você apenas diz a quantidade (ex: “comprar 100 PETR4”). O sistema executará sua ordem pelo melhor preço disponível no Book naquele exato instante.
- Vantagem: Execução instantânea.
- Desvantagem: Você pode pagar um pouco mais caro (ou vender um pouco mais barato) do que estava vendo na tela, especialmente em ativos com pouca negociação (pouca liquidez).
2. Ordem Limitada (Limit Order)
É a ordem mais comum e segura. Você define a quantidade E o preço máximo que aceita pagar (na compra) ou o preço mínimo que aceita receber (na venda).
- Exemplo Compra: “Comprar 100 PETR4 a R$ 30,00”. Sua ordem só será executada se o preço de venda cair para R$ 30,00 ou menos.
- Vantagem: Você tem controle total sobre o preço.
- Desvantagem: Se o preço não atingir seu limite, sua ordem não é executada e você pode “perder o bonde”.
3. Ordem de Stop (Stop Loss e Stop Gain)
Esta é uma ordem de gerenciamento de risco. Ela fica “adormecida” no sistema e só é disparada se uma condição de preço for atingida.
- Stop Loss (Parar Perda): Você comprou uma ação por R$ 30,00. Você não quer perder mais que 10% nela. Você programa um Stop Loss em R$ 27,00. Se a ação cair e atingir R$ 27,00, o sistema automaticamente dispara uma ordem de venda a mercado para tirar você da operação e limitar seu prejuízo.
- Stop Gain (Realizar Lucro): O oposto. Se a ação subir para R$ 35,00, o sistema vende automaticamente para garantir seu lucro.
Os Horários do Pregão: Quando o Mercado “Respira”?
O pregão eletrônico não funciona 24 horas por dia. A B3 tem horários definidos, que podem mudar ligeiramente (por causa do horário de verão nos EUA), mas que geralmente seguem esta estrutura:
1. Pré-Abertura (Leilão de Abertura) – (ex: 9:45 às 10:00)
Quinze minutos antes do mercado abrir, o sistema entra em “leilão”. Durante esse período, as corretoras podem enviar ordens de compra e venda, mas nenhum negócio é fechado. O sistema apenas acumula essas ordens para definir qual será o preço de abertura do dia, baseado no ponto de maior equilíbrio entre compradores e vendedores.
2. Período de Negociação Regular – (ex: 10:00 às 17:55)
Este é o “pregão” propriamente dito. É o período em que o Book de Ofertas está “aberto”, e as negociações (os matches) acontecem livremente, como descrevemos acima. Os preços sobem e descem a cada segundo.
3. Leilão de Fechamento – (ex: 17:55 às 18:00)
Nos últimos minutos, o mercado entra em leilão novamente, assim como na abertura. O objetivo é definir o preço de fechamento oficial do dia para os principais ativos (do índice Ibovespa).
4. After-Market – (ex: 18:30 às 18:45)
É um “tempo extra” de negociação. É um período curto, com regras mais restritas (limites de oscilação de preço e de volume financeiro), que permite a quem não pôde operar durante o dia fazer pequenos ajustes na carteira.
Mecanismos de Segurança: O que é o “Circuit Breaker”?
O que acontece se houver um pânico global e todos decidirem vender ao mesmo tempo? O sistema entraria em colapso?
Não. Para isso, o pregão eletrônico tem um mecanismo de segurança chamado Circuit Breaker (Disjuntor de Circuito).
É uma pausa de emergência automática. Se o Índice Ibovespa (a principal “régua” do mercado) cair muito bruscamente, o pregão é totalmente interrompido para todos os ativos.
As regras na B3 são:
- Queda de 10% (Nível 1): O pregão para por 30 minutos.
- Queda de 15% (Nível 2, após reabrir): O pregão para por 1 hora.
- Queda de 20% (Nível 3, após reabrir): A B3 decide por quanto tempo o pregão ficará suspenso naquele dia.
O objetivo é “esfriar a cabeça” do mercado, dar tempo para os investidores respirarem, analisarem as notícias e evitarem tomar decisões baseadas puramente no pânico.
O que é Negociado no Pregão Eletrônico? (Não são só Ações)

O sistema PUMA da B3 é “multiativo”. Isso significa que, no mesmo pregão, você pode negociar diversos produtos:
- Ações (Mercado à Vista): “Pedaços” de empresas (PETR4, VALE3, MGLU3).
- Fundos Imobiliários (FIIs): Cotas de fundos que investem em imóveis (shoppings, escritórios, galpões).
- ETFs (Exchange Traded Funds): Fundos de índice, como o BOVA11 (que segue o Ibovespa).
- BDRs (Brazilian Depositary Receipts): “Recibos” de ações de empresas estrangeiras (como Apple, Google, Tesla).
- Mercado Futuro: Contratos de dólar, índice e commodities (mais complexo, para traders).
- Opções: Contratos de direito de compra ou venda (altamente complexo e arriscado).
O Pregão é Para Todos, Mas Exige Respeito
O pregão eletrônico foi uma revolução silenciosa que colocou o poder de investir nas mãos do cidadão comum. A gritaria do “viva voz” foi substituída pela eficiência dos algoritmos, e a complexidade deu lugar à acessibilidade do Home Broker.
Hoje, “como as negociações acontecem” não é mais um mistério: é um fluxo transparente de ordens de compra e venda, organizadas em um Book de Ofertas e executadas pelo sistema da B3 quando os preços se encontram.
Entender esse mecanismo é o primeiro passo para deixar de ser um espectador e se tornar um investidor. Lembre-se, no entanto, que a facilidade de clicar em “comprar” não diminui os riscos do mercado. O pregão é democrático, mas o estudo, o planejamento e a paciência continuam sendo os verdadeiros segredos para o sucesso financeiro.