Entenda a estratégia “Dogs of the Dow” adaptada para a B3

Entenda a estratégia “Dogs of the Dow” adaptada para a B3

Investir na bolsa de valores pode parecer um labirinto complexo, cheio de jargões técnicos e estratégias que mudam a cada dia. Para o investidor iniciante, ou mesmo para aquele que busca uma abordagem mais simples e passiva, encontrar um método claro pode ser um desafio. E se existisse uma estratégia que focasse em grandes empresas, gerasse renda passiva e exigisse apenas alguns minutos de ajuste por ano?

Essa estratégia existe e é conhecida mundialmente como “Dogs of the Dow” (em português, “Os Cachorros do Dow”).

Criada nos Estados Unidos, essa é uma das estratégias de “Value Investing” (Investimento em Valor) mais famosas e simples de aplicar. Ela se baseia em uma premissa contra-intuitiva: comprar as ações de grandes empresas que tiveram o pior desempenho recente, medido por seu alto Dividend Yield (DY).

Mas espere, comprar o que está em baixa? Isso soa arriscado.

A lógica é que essas empresas “renegadas” (os “Dogs”) são gigantes do mercado que estão temporariamente fora do radar dos investidores, fazendo seu preço cair e, consequentemente, seu Dividend Yield subir. A estratégia aposta que esses gigantes não estão mortos, apenas “dormindo”, e tendem a se recuperar.

E a melhor parte? Podemos adaptar essa lógica para a nossa realidade, a B3, a bolsa de valores brasileira.

Neste guia completo, vamos desvendar tudo sobre a estratégia “Dogs of the Dow”, como ela funciona, e o mais importante: como você pode criar sua própria versão de “Dogs of the B3” (ou “Dogs do Ibovespa”). Vamos analisar as vantagens, os riscos profundos que ninguém conta e se ela realmente vale a pena para o investidor brasileiro.

O que é a Estratégia “Dogs of the Dow”? O Guia Original dos EUA

O que é a Estratégia "Dogs of the Dow"? O Guia Original dos EUA

Para entender como aplicar no Brasil, precisamos primeiro dominar o conceito original. A estratégia “Dogs of the Dow” foi popularizada por Michael B. O’Higgins em seu livro de 1991, “Beating the Dow” (Vencendo o Dow).

Ela é uma abordagem de investimento surpreendentemente simples, focada no índice Dow Jones Industrial Average (DJIA). O DJIA é um dos índices mais antigos e famosos do mundo, composto por 30 das maiores e mais influentes empresas dos Estados Unidos (pense em gigantes como Apple, Microsoft, Coca-Cola, etc.).

A estratégia “Dogs of the Dow” funciona em 5 passos simples, executados uma vez por ano:

  1. O Ponto de Partida: No último dia de negociação do ano (ou no primeiro do novo ano), pegue a lista das 30 empresas que compõem o índice Dow Jones.
  2. A Métrica Chave: Calcule o Dividend Yield (DY) de cada uma dessas 30 empresas. O DY é simplesmente o total de dividendos pagos por ação no último ano, dividido pelo preço atual da ação. (Fórmula: $DY = \frac{Dividendos \ por \ Ação}{Preço \ da \ Ação}$).
  3. A Seleção dos “Dogs”: Identifique as 10 ações com o maior Dividend Yield da lista. Essas são os “Dogs of the Dow”.
  4. O Investimento: Divida o montante total que você deseja investir em 10 partes iguais e compre essas 10 ações.
  5. O Rebalanceamento: Mantenha essas ações por exatamente um ano. No final do ano, repita o processo: venda as ações que não estão mais no “Top 10” de maior DY e compre as novas que entraram.

A Lógica por Trás da Estratégia

Por que diabos alguém compraria as ações que, aparentemente, estão “em baixa”? A lógica é puro Value Investing e investimento contrariano:

  • DY Alto = Preço Baixo: O Dividend Yield tem uma relação inversa com o preço. Se o dividendo pago (em R$) se mantém estável, mas o preço da ação (em R$) cai, o DY (em %) sobe.
  • Aposta na Reversão à Média: A estratégia assume que essas 30 empresas do Dow Jones são “blue chips” (empresas de primeira linha). Um DY alto significa que o mercado está pessimista com aquela ação agora. Os “Dogs” são empresas sólidas que estão passando por um ciclo de baixa temporário.
  • Compra na Baixa: Ao comprar essas ações, você está essencialmente “comprando na baixa” (buy low), apostando que o mercado exagerou no pessimismo e que o preço da ação irá se recuperar no próximo ano (reversão à média).
  • Renda Passiva: Enquanto espera a recuperação do preço, você “é pago para esperar”, recebendo os dividendos elevados que o atraíram em primeiro lugar.

Adaptando “Dogs of the Dow” para a B3: Criando os “Dogs do Ibovespa”

Infelizmente, não temos um índice “Dow Jones” no Brasil. O índice que mais se aproxima em termos de relevância e representatividade das maiores empresas é o Índice Bovespa (IBOV).

O IBOV é uma carteira teórica composta pelas ações com maior volume de negociação e representatividade na B3. Embora o número de empresas no IBOV flutue (geralmente entre 80 e 90), a lógica de usar as “gigantes” do mercado se mantém.

Então, como adaptamos a estratégia? Criamos os “Dogs do Ibovespa” (ou “Dogs da B3”).

O processo é quase idêntico ao americano:

  1. O Ponto de Partida (Brasil): No final do ano (ou início do novo), pegue a lista completa de todas as ações que compõem a carteira teórica do Ibovespa.
  2. A Métrica Chave (DY): Calcule (ou consulte em uma plataforma de investimentos) o Dividend Yield dos últimos 12 meses de cada empresa do IBOV.
  3. A Seleção dos “Dogs da B3”: Rankeie todas as ações pelo DY, do maior para o menor. Selecione as 10 ações com os maiores Dividend Yields.
  4. O Investimento: Invista um montante financeiro igual em cada uma dessas 10 ações.
  5. O Rebalanceamento Anual: Segure essa carteira por um ano. No final do período, refaça a lista, venda as ações que saíram do “Top 10” e compre as novas que entraram.

Essa é a adaptação mais direta e popular. É uma estratégia mecânica, que remove a emoção da equação e força o investidor a ter disciplina.

Por Que Esta Estratégia de Dividendos Pode Funcionar no Brasil?

Por Que Esta Estratégia de Dividendos Pode Funcionar no Brasil?

A lógica de “comprar na baixa” também se aplica ao mercado brasileiro, talvez até com mais intensidade devido à nossa maior volatilidade. A estratégia “Dogs of the B3” se apoia em alguns pilares fundamentais do Value Investing:

1. Foco em Gigantes (Blue Chips)

Ao se limitar às ações do Ibovespa, você está automaticamente filtrando seu universo de investimento para as empresas maiores, mais líquidas e mais estabelecidas do país. São empresas que, em tese, têm mais “gordura para queimar” e maior capacidade de sobreviver a crises e ciclos de baixa. É menos provável que uma gigante do IBOV vá à falência do que uma small cap (empresa de baixa capitalização).

2. O Poder do Investimento Contrariano

O investidor médio tende a seguir a manada: compra quando tudo está subindo (no topo) e vende em pânico quando tudo está caindo (no fundo). A estratégia “Dogs” força você a fazer o oposto. Ela é contrariana.

Ela te obriga a comprar ações que estão “baratas” (preço baixo / DY alto) e que o mercado geral está ignorando ou vendendo. Você está apostando que o pessimismo do mercado é exagerado.

3. Remoção do Fator Emocional

Quantas vezes você já “achou” que uma ação ia subir e ela caiu? Ou vendeu uma ação por medo, apenas para vê-la disparar na semana seguinte? O ser humano é péssimo em tomar decisões financeiras sob pressão.

Os “Dogs do Ibovespa” é uma estratégia 100% quantitativa (baseada em números). Não importa o que o “guru” da internet disse, não importa a manchete do jornal. Se a ação está no Top 10 de DY do IBOV, você compra. Se saiu, você vende. Isso impõe uma disciplina de ferro e protege você de suas próprias emoções.

“Dogs of the B3” na Prática: Um Exemplo Hipotético (e Seguro)

Vamos imaginar um cenário puramente hipotético para entender como funciona.

Atenção: Este é um exemplo educacional. Os nomes das empresas e os valores são fictícios e NÃO constituem qualquer recomendação de investimento.

Imagine que hoje é o último dia de 2024 e você decide aplicar R$ 20.000 usando a estratégia.

  1. A Lista: Você pega a lista do Ibovespa e encontra 85 ações.
  2. O Cálculo: Você calcula o DY de 12 meses de todas elas.
  3. O Top 10 “Dogs”: Você chega à seguinte lista:
    • Empresa A (Elétrica): DY 15%
    • Empresa B (Banco): DY 14%
    • Empresa C (Saneamento): DY 13,5%
    • Empresa D (Telecom): DY 12%
    • Empresa E (Commodity): DY 11,5%
    • Empresa F (Banco): DY 11%
    • Empresa G (Seguradora): DY 10%
    • Empresa H (Elétrica): DY 9,5%
    • Empresa I (Varejo): DY 9%
    • Empresa J (Commodity): DY 8,8%
  4. O Investimento: Você pega seus R$ 20.000 e divide por 10. Você investe R$ 2.000 em cada uma dessas 10 empresas.
  5. A Espera: Durante 2025, você não faz nada. Apenas reinveste os dividendos que caem na sua conta (idealmente, comprando mais da ação que pagou, para acelerar os juros compostos).
  6. O Rebalanceamento: No último dia de 2025, você refaz a lista. Você descobre que as Empresas B, I e J saíram do Top 10. E as empresas K, L e M entraram.
  7. A Ação: Você vende toda a sua posição nas empresas B, I e J (com lucro ou prejuízo, não importa). Você pega o dinheiro total dessa venda e divide em 3 partes iguais, comprando as novas entrantes: K, L e M. Você também ajusta a posição nas outras 7 que permaneceram, para que todas voltem a ter o mesmo peso (R$ 2.000 + valorização/desvalorização, rebalanceando para o peso ideal).

Pronto. Você acabou de executar a estratégia por um ano. Agora é só repetir em 2026.

Vantagens e Desvantagens: A Estratégia “Dogs” no Brasil Vale a Pena?

Vantagens e Desvantagens: A Estratégia "Dogs" no Brasil Vale a Pena?

Como qualquer estratégia, ela não é uma bala de prata. Há pontos positivos brilhantes e riscos significativos, especialmente no volátil mercado brasileiro.

Vantagens Claras

  • Simplicidade: É uma das estratégias mais fáceis de entender e executar.
  • Baixa Manutenção: Exige apenas um dia de “trabalho” por ano para o rebalanceamento.
  • Foco em Renda Passiva: Por definição, você está comprando as maiores pagadoras de dividendos do índice.
  • Potencial de “Value Investing”: Você está sistematicamente comprando ações que estão (potencialmente) descontadas.
  • Desempenho Histórico: Nos EUA, a estratégia “Dogs of the Dow” historicamente conseguiu, em muitas janelas de tempo longas, superar o desempenho do próprio índice Dow Jones, embora com maior volatilidade. No Brasil, estudos de “backtesting” (testes retroativos) também mostram períodos de superação do IBOV, mas os resultados são mistos.

Desvantagens e Riscos Ocultos (Leia com Atenção!)

Aqui é onde o investidor leigo costuma cair. Os riscos da estratégia “Dogs” no Brasil são maiores do que nos EUA, e você precisa conhecê-los.

1. O Perigo da “Value Trap” (Armadilha de Valor)

Este é o maior risco de todos.

Um Dividend Yield está alto por dois motivos:

  1. A empresa é sólida, mas o mercado está pessimista (o cenário ideal).
  2. A empresa está realmente com problemas financeiros graves, e o mercado está certo em vender.

O DY é uma métrica passada (baseada nos dividendos que já foram pagos). Uma empresa pode estar com um DY de 20% hoje porque pagou muito no passado, mas ela pode estar prestes a anunciar um prejuízo gigantesco e cortar todos os dividendos futuros.

Nesse caso, você não comprou uma “pechincha”; você comprou uma “armadilha de valor” (value trap). A ação pode continuar caindo e nunca mais se recuperar, e os dividendos vão desaparecer. No Brasil, empresas (mesmo do IBOV) podem entrar em recuperação judicial.

2. Risco de Concentração Setorial

O mercado americano (Dow Jones) é muito diversificado: tem tecnologia, saúde, varejo, finanças, indústria.

O Ibovespa é altamente concentrado. Historicamente, nosso índice é dominado por três setores: Bancos, Commodities (Petróleo e Mineração) e Elétricas/Saneamento.

Ao aplicar a “Dogs of the B3”, é muito provável que sua carteira de 10 ações fique concentrada em 70% ou 80% nesses três setores. Se houver uma crise no setor elétrico (ex: uma mudança regulatória do governo) ou uma queda global no preço do minério de ferro, sua carteira inteira sofrerá um impacto massivo. Você perde o benefício da diversificação real.

3. Volatilidade e Risco Político/Fiscal

A B3 é muito mais volátil que a bolsa americana. Nossas “Dogs” são mais “raivosas”. Ações de estatais (como Petrobras, Banco do Brasil), que frequentemente aparecem nas listas de “Dogs” devido ao alto DY, são extremamente sensíveis ao risco político. Uma simples declaração de um político pode fazer a ação despencar, independentemente dos fundamentos da empresa.

4. Custos de Transação e Impostos

Rebalancear anualmente significa vender e comprar ações.

  • Vendas: Se você vender ações com lucro (total de vendas acima de R$ 20.000 no mês), você terá que pagar 15% de Imposto de Renda sobre o ganho de capital (via DARF).
  • Custos: Você também terá custos de corretagem (embora muitas corretoras hoje tenham taxa zero) e emolumentos da B3.

Esses custos “comem” parte da sua rentabilidade ao longo dos anos.

Como Melhorar a Estratégia “Dogs of the B3”? Adicionando Filtros de Qualidade

Devido aos riscos maiores no Brasil, muitos investidores experientes não usam a estratégia “pura”. Eles adicionam filtros de qualidade para tentar evitar as “armadilhas de valor”.

Se você pegar o Top 10 de maior DY do IBOV, antes de comprar, você pode aplicar alguns filtros. Por exemplo, excluir da lista empresas que:

  • Tenham Prejuízo: Excluir empresas que tiveram lucro líquido negativo no último ano. (Se não dá lucro, como vai pagar dividendo sustentável?).
  • Tenham Endividamento Extremo: Excluir empresas com indicadores de dívida muito altos (ex: Dívida Líquida / EBITDA acima de 4 ou 5). Dívidas altas podem “comer” o lucro e forçar o corte de dividendos.
  • Tenham Payout Insustentável: O “Payout” é a porcentagem do lucro que a empresa distribui como dividendo. Se uma empresa lucrou R$ 1 bilhão e pagou R$ 1,2 bilhão em dividendos (Payout de 120%), ela está se descapitalizando. Isso não é sustentável. Muitos investidores filtram por empresas com Payout abaixo de 100%.

Ao adicionar esses filtros, sua lista de “Dogs” pode diminuir (talvez para 5 ou 8 empresas), mas ela será composta por empresas que não são apenas “baratas”, mas também “saudáveis”.

Uma Variação Famosa: “Small Dogs of the Dow”

Uma variação popular nos EUA é a “Small Dogs of the Dow” (ou “Puppies”). A lógica é a seguinte:

  1. Selecione as 10 “Dogs” (maior DY), como na estratégia normal.
  2. Dentro dessa lista de 10, selecione as 5 ações com o menor preço nominal (o valor em R$ da ação, ex: R$ 15,00).
  3. Invista apenas nessas 5.

A tese é que ações com preço nominal menor têm, psicologicamente, mais espaço para “dobrar” de valor do que ações que já custam, por exemplo, R$ 150,00. É uma estratégia que, em alguns períodos, superou os “Dogs” originais.

“Dogs of the B3” é a Estratégia Certa para Você?

"Dogs of the B3" é a Estratégia Certa para Você?

A estratégia “Dogs of the Dow” adaptada para a B3 é uma ferramenta fascinante. Ela oferece um caminho estruturado, disciplinado e de baixa manutenção para o investidor focado em “value investing” e renda passiva. Ela força você a comprar o que está em baixa e a ter paciência.

No entanto, ela não é uma estratégia para iniciantes que não entendem os riscos. O mercado brasileiro é mais arriscado que o americano. O perigo de cair em “armadilhas de valor” (empresas que parecem baratas, mas estão quebradas) e a alta concentração setorial do Ibovespa são pontos de atenção críticos.

“Dogs of the B3” pode ser para você se:

  • Você é um investidor de longo prazo (pelo menos 5-10 anos).
  • Você tem disciplina para seguir o método, mesmo quando o mercado está em pânico.
  • Você entende os riscos e, de preferência, usa filtros de qualidade para selecionar suas ações.
  • Você vê essa estratégia como uma parte da sua carteira, e não 100% dela (diversificação é chave).

Provavelmente NÃO é para você se:

  • Você busca ganhos rápidos (day trade ou swing trade).
  • Você não tolera volatilidade (ver sua carteira cair 30% em um ano ruim).
  • Você não quer ter o trabalho de analisar minimamente a saúde financeira das empresas (para evitar as “value traps”).

No final do dia, a “Dogs of the B3” é uma excelente porta de entrada para o mundo do investimento sistemático e baseado em valor. Ela nos ensina a lição mais difícil do mercado: ter a coragem de comprar quando todos estão vendendo.

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