Você olha o extrato da sua caderneta de poupança, vê o “crédito de rendimento” no dia do “aniversário” e a sensação é de frustração. São centavos, ou poucos reais, mesmo com um valor considerável guardado. Se você já se perguntou “por que a poupança rende tão pouco?”, saiba que a resposta não é “porque o banco é mau”. É uma regra.
A rentabilidade da poupança é definida por lei e está diretamente atrelada à economia do país, especificamente à nossa taxa básica de juros, a Selic. Ela foi desenhada para render pouco em certos cenários. Este guia completo, feito para leigos, vai desvendar de uma vez por todas o mistério por trás desse rendimento baixo. Vamos explicar as regras, os motivos e, o mais importante: mostrar alternativas tão seguras quanto, mas que fazem seu dinheiro trabalhar de verdade.
O Que Exatamente é a Caderneta de Poupança? (Além do “Cofrinho”)

Antes de entender por que ela rende pouco, precisamos entender o que ela é. A Caderneta de Poupança é, de longe, o “investimento” (com muitas aspas) mais popular e tradicional do Brasil.
Para a maioria dos brasileiros, ela é sinônimo de segurança absoluta. É onde se guarda o dinheiro da reserva, da reforma da casa ou dos filhos. Os motivos para essa popularidade são fortes:
- Simplicidade: É fácil de abrir e movimentar, geralmente atrelada à sua conta corrente.
- Segurança (FGC): Ela é protegida pelo FGC (Fundo Garantidor de Créditos) em até R$ 250.000 por CPF e por instituição. Isso significa que, se o banco quebrar, o FGC te devolve o dinheiro até esse limite.
- Isenção de Impostos: Para pessoas físicas (você), o rendimento da poupança é totalmente isento de Imposto de Renda (IR) e de IOF (após 30 dias).
Com tantas vantagens, qual é o truque? O truque é o que você já sabe: a rentabilidade. Ela é o “preço” que se paga por essa simplicidade e segurança.
A Regra de Ouro: Como a Rentabilidade da Poupança é Calculada?
A poupança não rende o quanto o banco “quer” pagar. Ela obedece a uma regra clara, definida pelo Banco Central do Brasil. O rendimento da poupança é composto por duas partes:
- A Remuneração Básica: Definida pela Taxa Selic.
- A Remuneração Adicional: Definida pela TR (Taxa Referencial).
O cálculo da Remuneração Básica mudou em 2012 e é o principal motivo para o rendimento atual ser baixo. Existem dois cenários:
CENÁRIO 1: Se a Taxa Selic estiver ALTA (acima de 8,5% ao ano)
- A poupança rende 0,5% ao mês + TR.
- Isso dá 6,17% ao ano + TR.
- (Esta era a regra antiga, que volta a valer quando os juros sobem muito para controlar a inflação).
CENÁRIO 2: Se a Taxa Selic estiver BAIXA (igual ou abaixo de 8,5% ao ano)
- A poupança rende 70% da Taxa Selic + TR.
- (Esta é a regra que vigorou por muitos anos e é a principal culpada pelo baixo rendimento).
Na prática, o que isso significa para você?
Significa que, em quase todo cenário econômico moderno (onde o governo tenta manter os juros baixos para estimular a economia), a poupança está travada para render sempre menos que a taxa básica de juros.
Desvendando o “Economês”: O que é Taxa Selic e o que é a TR?
Para entender a regra acima, você precisa saber quem são esses dois personagens.
O que é a Taxa Selic (O “Termômetro” da Economia)?
A Selic é a taxa básica de juros do Brasil. Pense nela como o “preço do dinheiro” no país.
- Ela é definida pelo Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) a cada 45 dias.
- Se a inflação está alta: O Copom aumenta a Selic. Isso torna o crédito mais caro, desestimula o consumo e “esfria” a inflação.
- Se a economia está fraca: O Copom baixa a Selic. Isso barateia o crédito, incentiva o consumo e o investimento das empresas.
Como a poupança (no Cenário 2) paga 70% da Selic, fica óbvio: quando o governo baixa a Selic, o rendimento da sua poupança afunda junto.
E a Misteriosa Taxa Referencial (TR)?
A TR é uma taxa criada nos anos 90, na época da hiperinflação. Hoje, seu cálculo é complexo, mas o que você precisa saber é:
- Ela também é influenciada pela Selic.
- Por muitos anos (de 2017 a 2021), com a Selic muito baixa, a TR foi igual a ZERO.
- Quando a Selic sobe, a TR sobe junto, mas muito pouco (ex: 0,1% ou 0,2% ao mês).
Portanto, a TR é um “adicional” muito pequeno. O que realmente manda no seu rendimento é a regra da Selic.
O “Pulo do Gato”: Por Que a Regra dos “70% da Selic” Foi Criada?

Esta é a resposta de ouro que ultrapassa as 1.000 palavras. Por que o governo criou essa trava em 2012? A resposta: para proteger o resto da economia.
Imagine o cenário antigo, antes de 2012, onde a poupança pagava sempre 0,5% ao mês (6,17% ao ano) + TR, não importava a Selic.
Agora, imagine que o Banco Central precisasse baixar a Selic para 5% ao ano para salvar a economia (como fez recentemente). O que aconteceria?
- O Tesouro Selic (principal investimento do país, que rende 100% da Selic) passaria a render 5% ao ano.
- A Poupança (isenta de IR!) continuaria rendendo 6,17% ao ano.
O resultado seria o caos. Milhões de investidores tirariam trilhões de reais dos Fundos de Renda Fixa e do Tesouro Direto (que financiam a dívida do governo) e colocariam tudo na poupança, que estaria rendendo mais e sem imposto.
Isso “quebraria” os fundos de investimento e a capacidade do governo de se financiar.
A regra dos “70% da Selic” foi a solução genial (para o governo) encontrada: ela garante que a poupança vai render sempre um pouco menos que a Taxa Selic.
- Exemplo: Se a Selic cai para 5% ao ano:
- O Tesouro Selic paga: 5% ao ano (bruto).
- A Poupança paga: 70% de 5% = 3,5% ao ano.
Assim, o Tesouro Selic (e os CDBs 100% do CDI) continuam sendo mais atraentes, e o equilíbrio do sistema financeiro é mantido.
Conclusão: A poupança rende pouco por design. Ela foi programada para ser o “piso” da rentabilidade no país, nunca a melhor opção.
Para Onde Vai o Dinheiro da Poupança? (A Outra Razão Oculta)
Há outro motivo estrutural para a poupança não poder pagar muito. Você já se perguntou o que o banco faz com o seu dinheiro que está lá parado? Ele não fica em um cofre.
Por lei, os bancos são obrigados a direcionar a maior parte dos recursos captados na poupança (o “funding”) para duas áreas específicas:
- SFH (Sistema Financeiro de Habitação): Financiamento imobiliário.
- Crédito Rural: Empréstimos para o agronegócio.
Esses dois setores são pilares da economia brasileira e precisam de financiamento de longo prazo e com juros baixos.
Agora, pense como um banco: se você é obrigado a emprestar o dinheiro da poupança a juros baixos (para financiamento de imóveis), você não pode se dar ao luxo de pagar um rendimento alto para quem depositou esse dinheiro (você).
Portanto, o rendimento baixo da poupança é o que, em parte, subsidia o crédito imobiliário e rural barato no Brasil. É uma escolha econômica do país.
O Inimigo Real: Poupança vs. Inflação (A Batalha do Poder de Compra)

O problema não é apenas a poupança render pouco. O problema é ela render menos que a inflação (IPCA). É aqui que você, de fato, perde dinheiro.
Pense em “Rentabilidade Real”. A fórmula é simples:
Rentabilidade Real = Rendimento da Poupança – Inflação (IPCA)
- Exemplo:
- A poupança rendeu 4% no ano.
- A inflação (IPCA) foi de 6% no ano.
- Sua Rentabilidade Real foi de: 4% – 6% = -2%.
O que isso significa na prática?
Significa que, se você tinha R$ 1.000,00 guardados, no fim do ano você tem R$ 1.040,00. Parabéns, seu número cresceu.
PORÉM, o que você comprava com R$ 1.000,00 no início do ano (ex: um carrinho de supermercado), agora custa R$ 1.060,00.
Você tem mais dinheiro, mas seu poder de compra diminuiu. Você ficou, na prática, mais pobre. E em muitos anos recentes, a poupança perdeu feio para a inflação.
Mitos e Armadilhas: O “Aniversário” da Poupança
Além de render pouco, a poupança tem uma regra arcaica que pode fazer seu rendimento ser ZERO: o “mês de aniversário”.
O rendimento da poupança só é creditado uma vez por mês, no dia exato em que você fez o depósito (o “aniversário”).
- Exemplo da Armadilha:
- Você deposita R$ 1.000 no dia 10 de janeiro.
- No dia 08 de fevereiro (29 dias depois), você precisa sacar esse dinheiro para uma emergência.
- Quanto você recebe de rendimento? R$ 0,00 (ZERO).
Você precisa esperar até o “aniversário” (dia 10 de fevereiro) para ter direito ao rendimento. Se sacar um dia antes, perde tudo. Isso é péssimo e não existe em investimentos modernos, que têm liquidez e rendimento diário.
O Próximo Nível: 3 Alternativas Tão Seguras Quanto (ou Mais), Só que Mais Rentáveis
Se a poupança rende pouco, perde para a inflação e tem regras ruins, por que as pessoas a usam? Pela segurança (FGC) e simplicidade.
A boa notícia é que existem alternativas que são tão seguras quanto, tão simples quanto e que rendem mais.
Alternativa 1: O “Substituto” Oficial – Tesouro Selic
- O que é? É um título do Tesouro Direto. Você “empresta” dinheiro para o Governo Federal.
- Segurança: É considerado o investimento mais seguro do país (mais seguro que a poupança), pois é 100% garantido pelo Tesouro Nacional.
- Rentabilidade: Rende 100% da Taxa Selic (enquanto a poupança rende só 70% dela).
- Liquidez: D+1 (você pede hoje, cai na conta no próximo dia útil).
- Desvantagem? Tem Imposto de Renda (regressivo, quanto mais tempo, menos paga), mas mesmo com o IR, ele quase sempre rende mais que a poupança se você deixar mais de 6 meses.
Alternativa 2: A Opção dos Bancos Digitais – CDB 100% do CDI (com Liquidez Diária)
- O que é? Você “empresta” dinheiro para um banco (Nubank, Inter, C6, Itaú, etc.).
- Segurança: Tem a mesma garantia do FGC da poupança (até R$ 250 mil).
- Rentabilidade: Rende 100% do CDI (o CDI é uma taxa que anda colada na Selic).
- Liquidez: Diária (D+0). Você pode sacar a qualquer momento, e o rendimento é diário (não tem “aniversário”).
- Desvantagem? Também tem IR, mas, novamente, o rendimento bruto (100% do CDI) é tão maior que os 70% da Selic que o rendimento líquido (descontado o IR) ainda é muito superior ao da poupança.
Alternativa 3: A Simplicidade – Contas Digitais Remuneradas
- Muitas contas digitais (como a NuConta ou do PicPay) fazem seu dinheiro parado na conta render automaticamente 100% do CDI. Elas usam CDBs ou Títulos Públicos por trás. É a simplicidade da poupança com a rentabilidade do CDI.
A Poupança é o Ponto de Partida, Não o Destino Final

A caderneta de poupança não é uma vilã. Ela cumpre um papel social importante (financiar imóveis) e é a porta de entrada para milhões de brasileiros. Ela é melhor do que deixar o dinheiro parado na conta corrente (rendendo zero) ou debaixo do colchão.
Porém, ela rende pouco por design. É uma regra do jogo, criada para equilibrar a economia e garantir que investimentos mais importantes (como o Tesouro Direto) sejam mais atraentes.
O papel da poupança hoje não é investir, mas sim ser um local temporário para sua reserva de emergência… e olhe lá. Com a facilidade dos CDBs de liquidez diária e do Tesouro Selic, que são igualmente seguros e rendem mais, deixar o dinheiro na poupança é, infelizmente, uma escolha consciente de perder poder de compra para a inflação.